Três Pontos
Por Garth Gratrix*

Texto originalmente escrito para a exposição Três Pontos na Galeria Pilar em 2022


Me pediram para escrever um texto de introdução para esta nova exposição de trabalho de Gustavo  Ferro. Eu quero fazer isso através da ótica Queer e minha posição como artista, curador e diretor  baseado em Blackpool acenando do outro lado do oceano e além das fronteiras.

Foi aqui que nossos olhos se encontraram pela primeira vez, o meu e o do Gustavo. Nossos  corpos se envolveram em conversas críticas e conceituais, por um ano, enquanto nos expúnhamos  a novas maneiras de entender o que significa viver e trabalhar à margem da sociedade e fazer arte.  Em um destino mergulhado na história, progressista e evasiva em como barreiras, limites e fronteiras  podem impactar ideias e a liberação. É irônico sentir a necessidade de, por vezes, se esconder por  segurança, e ao mesmo tempo viver e criar em uma área litorânea, onde considera-se que metade  de sua visão está sempre desobstruída. A costa para mim é parte litoral e parte ambiente urbano,  existindo como resultado de decisões pessoais desejáveis e ao mesmo tempo difíceis; no lugar de  estabelecer uma definição definitiva para as coisas existirem... uma estranheza. As ondas batem  contra os quebra-mares, as pessoas se defendem contra seus próprios direitos pessoais e sociais e as  posturas políticas normalmente difundidas.

Nas obras de Gustavo penso em orientação, que é explorar uma vontade e necessidade de navegar  pelas obras de todos os ângulos, e nossa posição e relação com elas. Explorar esses ângulos e ver  as coisas além de uma postura ou posição é uma decisão e uma experiência inerentemente queer;  é querer se envolver com o trabalho além do comportamento normativo. Isso me faz sentir animalesco, selvagem e frívolo. Como novos impulsos me fazem querer ficar de joelhos, rastejar e me  esfregar, e ou fletar o trabalho de alguma forma. Flertar, é claro, na cultura gay como um meio de  percorrer certas ruas, que através do boca a boca, tornam-se um terreno fértil para encontrar prazer  entre pessoas do mesmo sexo.

A maioria das pessoas tem a tendência de ver da forma adequada (ou seja, de forma heteronorma tiva), falar de forma adequada, agir e ou se comportar de maneira correta! O trabalho de Gustavo  cria uma situação ou um momento de encontro de tal forma que você poderia argumentar que  o sujeito não vê mais de forma adequada, portanto nossa relação com objetos e espaço é reori entada como Merleau-Ponty e Sara Ahmed exploram em Phenomenology of Perception e em  Queer Phonemenology. A própria natureza da obra é ‘dobrada’ como um antigo termo pejorativo  que é ressignificado, é distorcida, tornada ‘peculiar’, ‘estranha’ ou ‘esquisita’ na forma como ainda  exploramos em seu significado original Queer. Nesse caso, a obra de Gustavo poderia, ainda hoje,  ser vista como nos engajando em uma série de encontros Queer e um espaço em que a natureza  Queer prevalece além de seu próprio risco de se tornar finito.

A série sem título (Grinding Series) brinca com a forma como corpos, objetos, duplos sentidos  podem se manifestar. A teoria queer nos sugere que Interpretar as coisas é necessário, pois o sig nificado está fora além dos limites, nos subterrâneos e becos e além de nossas visões sociais, onde  a maioria das atividades Queer ocorrem. Por necessidade, segurança ou forçados a politicamente  para as margens da sociedados, ‘nós’ individual e coletivamente nos escondemos a olhos vistos e  vivemos dentro de regras impostas e sistemas de codificação autoimpostos. Essas esculturas de  metal e plástico são maleáveis e, no entanto, auto-contidas. Uma coleção intensa de laços estru turais envolve uma armadura de metal de forma fálica. Um cinismo invasivo aumenta simultanea mente seu erotismo potencial, onde os materiais se movem de duros para macios, e são, ao mesmo tempo, suaves e firmes em sua capacidade de sufocar ou liberar tensão, cuspir ou restringir.  São espinhosos ao tato, sacudi-los pode ser provocá-los ou excitá-los ou mesmo nós mesmo nos ex citar. Provocá-los pode ser interpretado como estar no Grindr - um aplicativo popular de encontros  gay. Isso talvez nos exponha a ver as obras como uma proposta escultórica para futuras preliminares  entre amantes, não definidos pelo gênero, pois esses materiais transitam entre o desejável, o desvi ante e o indecente em seu acabamento e o refinamento sem preocupações arbitrárias como gosto,  partes do corpo preferidas ou o que é apropriado nos lances da paixão.

A inclusão de borracha, óleo e penas na série Rod, possui múltiplas conotações e associações a  roupas fetichistas e/ou brinquedos sexuais para prazer e gozo compartilhados. Com o metal sendo  fragmentado das barreiras de controle de multidões, a sensualidade dos objetos também pode ser  encarada com preocupações sobre como materiais e vidas não conformantes oferecem uma dicotomia de protesto e prospecção. A obra torna-se uma oferta não binária de novas relações entre  as coisas a serem testemunhadas e adotadas.

Os desenhos apresentam um borrão uma fricção, uma carícia entre os materiais e o suporte. A  página atuando como o espaço para abrigar uma leitura Queer. Vejo formas dentro de formas, um  efeito de miragem onde terrenos imaginados aparecem em minha mente com vários graus de tara,  jogo e prazer. A textura é prolífica em todas as obras, este convite para oferecer um toque, talvez  indesejado, faz com que uma exposição pareça um pouco mais marota e em sintonia com ser ‘liberal’ em nossas preferências artísticas e pessoais. É um sentimento silenciosamente sedutor para os  nossos sentidos.

As mãos de Gustavo estão na vanguarda de todos esses trabalhos. O artista é sempre apenas um  artista, ou também o agente provocador, a Amante, uma dominatrix provocando os limites no qual  ele e suas relações carnais encontram tensão, dor, luxúria, amor, aliança...? Ele é autor e autêntico  em sua abertura e vontade de expor a si mesmo e a nós a um novo parentesco com o potencial  Queer.

*Garth Gratrix (1984, vive em Blackpool, Inglaterra). Artista, curador e diretor do Abingdon Studios - o primeiro  espaço independente de arte contemporânea aberto em Lancashire no litoral do Norte da Inglaterra - participa de  exposições internacionais e possui obras em coleções no Reino Unido e exterior.